in a minute there is time for decisions and revisions which a minute will reverse
Virá a morte e terá os teus olhos
Virá a morte e terá os teus olhos
esta morte que está sempre connosco de manhã até à noite, insone, surda, como um velho remorso ou um vício absurdo. Os teus olhos serão uma palavra vã, um grito mudo, um silêncio. Assim os vês em cada manhã dobrada sozinha ao espelho. Oh querida esperança, nesse dia também nós saberemos que és a vida e és o nada.
Para todos a morte tem um olhar. Virá a morte e terá os teus olhos. E será como deixar um vício, como ver no espelho reemergir um rosto morto, como ouvir um lábio fechado.
Desceremos pelo ralo mudos.
Cesare Pavese, Verrà la morte e avrà i tuoi occhi, Março de 1950.
Verrà la morte e avrà i tuoi occhi- questa morte che ci accompagna dal mattino alla sera, insonne, sorda, come un vecchio rimorso o un vizio assurdo. I tuoi occhi saranno una vana parola, un grido taciuto, un silenzio. Così li vedi ogni mattina quando su te sola ti pieghi nello specchio. O cara speranza, quel giorno sapremo anche noi che sei la vita e sei il nulla
Per tutti la morte ha uno sguardo. Verrà la morte e avrà i tuoi occhi. Sarà come smettere un vizio, come vedere nello specchio riemergere un viso morto, come ascoltare un labbro chiuso. Scenderemo nel gorgo muti.
As relações sexuais começaram Em mil novecentos e sessenta e três (um tanto já tarde para mim) – Entre o fim da proibição da Chatterley E o primeiro LP dos Beatles
Até aí não houvera senão Uma espécie de regateio Uma arenga pelo anel Uma vergonha que começava aos dezasseis E alastrava a tudo
Então de súbito a questão acabou: E toda gente sentia o mesmo E todas as vidas se tornaram Uma alegre bancarrota Um jogo impossível de perder
E portanto a vida nunca foi melhor do que Em mil novecentos e sessenta e três (embora um tanto tarde para mim) – Entre o fim da proibição da Chatterley E o primeiro LP dos Beatles
Philip Larkin, Annus Mirabilis, em High Windows.
r.
Sexual intercourse began In nineteen sixty-three (which was rather late for me) - Between the end of the Chatterley ban And the Beatles' first LP.
Up to then there'd only been A sort of bargaining, A wrangle for the ring, A shame that started at sixteen And spread to everything.
Then all at once the quarrel sank: Everyone felt the same, And every life became A brilliant breaking of the bank, A quite unlosable game.
So life was never better than In nineteen sixty-three (Though just too late for me) - Between the end of the Chatterley ban And the Beatles' first LP.
Porventura foi uma hecatombe de esperanças um desabar de algum modo previsto ah! mas a minha tristeza teve um sentido só
todas as minhas intuições assomaram para ver-me sofrer e seguramente viram-no
até aqui tinha feito e refeito os meus trajectos contigo até aqui havia apostado em inventar a verdade mas encontraste a maneira uma maneira terna e ao mesmo tempo implacável de deixar sem esperança o meu amor
com um simples prognóstico o deportaste dos subúrbios da tua vida possível o embrulhaste em nostalgias o carregaste por um bom bocado e devagarinho sem que o ar nocturno o apercebesse ali mesmo o deixaste sozinho à sua sorte que não é, pois, muita
creio que tens razão a culpa é de um quando não se faz enamorar e não dos pretextos nem do tempo
faz muito, muito tempo que eu não me enfrentava como ontem à noite ao espelho e fui implacável como tu mas não fui terno
agora estou só francamente só
custa sempre um bocadinho começar a sentir-se um desgraçado
antes de regressar aos meus lúgubres acampamentos de Inverno
com os olhos bem enxutos se por acaso
te vejo ao entrar na neblina e começo a recordar-te.
Uma sensação estacionária...como, suponho, Terei, até todo o meu corpo se tornar
Incerto, cansado;
Então começarei a sentir o andor Tomar conta de mim, doentio e dominador -
Alguns dizem, desejado.
E isto deve ser o auge da vida... contorço o olhar Como se em dor; pois é dor pensar
Esta encenação
De compensador acto e contra-acto Derrota e falsificação, perfaz, de facto
O meu tempo mais são.
Philip Larkin, Maturity, Collected Poems, faber and faber, 1988, Londres, pág. 62.
d.
Maturity
A stationary sense... as, I suppose, I shall have, till my single body grows Inaccurate, tired; Then I shall start to feel the backward pull Take over, sickening and masterful - Some say, desired.
And this must be the prime of life... I blink, As if at pain; for it is pain, to think This pantomime Of compensating act and counter-act Defeat and counterfeit, makes up, in fact My ablest time.
gostava de te ver a dormir, coisa que poderá não acontecer. gostava de te ficar a ver, a dormir. gostava de dormir contigo, de entrar no teu sono enquanto a vaga escura e lisa desliza sobre mim
e caminhar contigo através da luzente floresta trémula de folhas verde azuis com o seu sol aguado e as três luas em direcção à gruta a que deverás descer, em direcção ao teu maior medo
gostava de te dar o ramo de prata, a pequena flor branca, a simples palavra que te resguardará da mágoa que está no centro do teu sonho, da mágoa que está no centro. gostava de seguir os teus passos na longa subida mais uma vez e tornar-me no barco que te remaria de volta cuidadosamente, uma chama em duas mãos postas até onde jaz o teu corpo ao meu lado, e tu entravas nele tão fácil como respirar
gostava de ser o ar que te habita por um momento apenas. gostava de passar tão desapercebida e ser tão necessária.
Margaret Atwood, Selected Poems II: 1976-1986, Houghton Mifflin, Boston, 1987.
s.
Variation on the Word Sleep
I would like to watch you sleeping, which may not happen. I would like to watch you, sleeping. I would like to sleep with you, to enter your sleep as its smooth dark wave slides over my head
and walk with you through that lucent wavering forest of bluegreen leaves with its watery sun & three moons towards the cave where you must descend, towards your worst fear
I would like to give you the silver branch, the small white flower, the one word that will protect you from the grief at the center of your dream, from the grief at the center. I would like to follow you up the long stairway again & become the boat that would row you back carefully, a flame in two cupped hands to where your body lies beside me, and you enter it as easily as breathing in
I would like to be the air that inhabits you for a moment only. I would like to be that unnoticed & that necessary.
Tu começas assim: esta é a tua mão, este é o teu olho, aquilo é um peixe, azul deitado no papel, quase da forma de um olho. Esta é a tua boca, isto é um O ou uma lua, o que preferires. Isto é amarelo.
Para lá da janela está a chuva, verde porque é Verão, e para além dela as árvores e depois o mundo, que é redondo e tem só as cores destes nove lápis de cor.
Este é o mundo, que é mais cheio e mais difícil de aprender do que eu fiz parecer. Fazes bem em esborratá-lo assim com o vermelho e mais o laranja: o mundo queima.
Logo que aprenderes estas palavras vais saber que há mais palavras do que podes aprender. A palavra mão flutua sobre a tua mão como uma pequena nuvem por cima de um lago. A palavra mão prende a tua mão a esta mesa, a tua mão é uma pedra quente que eu seguro entre duas palavras.
Esta é a tua mão, estas são as minhas mãos, este é o mundo, que é redondo mas não é plano e tem mais cores do que as que podemos ver.
Ele tem um início, ele tem um fim, é a isto que regressarás, esta é a tua mão.
Margaret Atwood, «You Begin», 1978.
r. (vai dedicado)
You Begin
You begin this way: this is your hand, this is your eye, that is a fish, blue and flat on the paper, almost the shape of an eye. This is your mouth, this is an O or a moon, whichever you like. This is yellow.
Outside the window is the rain, green because it is summer, and beyond that the trees and then the world, which is round and has only the colors of these nine crayons.
This is the world, which is fuller and more difficult to learn than I have said. You are right to smudge it that way with the red and then the orange: the world burns.
Once you have learned these words you will learn that there are more words than you can ever learn. The word hand floats above your hand like a small cloud over a lake. The word hand anchors your hand to this table, your hand is a warm stone I hold between two words.
This is your hand, these are my hands, this is the world, which is round but not flat and has more colors than we can see.
It begins, it has an end, this is what you will come back to, this is your hand. original
E no entanto tenho quase todos os meus dentes quase todos os meus cabelos e pouquíssimas cãs posso fazer e desfazer amor subir uma escada de dois em dois e correr quarenta metros atrás do autocarro ou seja eu não deveria sentir-me velho mas a cruz do problema é que antes não me fixava nestes detalhes.
Mario Benedetti, "Sindrome" in Inventario. Poesía 1950-1985, Madrid, Visor Libros, 2003, p. 147.
r.
Síndrome
Todavía tengo casi todos mis dientes casi todos mis cabellos y poquísimas canas puedo hacer y deshacer el amor trepar una escalera de dos en dos y correr cuarenta metros detrás del ómnibus o sea que no debería sentirme viejo pero el grave problema es que antes no me fijaba en estos detalles.
possa o meu coração receber sempre os pequenos pássaros que são os segredos de viver tudo o que eles cantam é melhor do que saber e se não os ouvem os homens são velhos
possa a minha cabeça andar com fome e sem medo e com sede e sem peias e mesmo ao domingo possa eu estar enganado pois quando têm razão os homens não são novos
e seja-me dado a mim nada fazer de útil e amar-te a ti tão mais que de verdade nunca houve tal sorte de louco que errasse ao cobrir-se com o céu todo num sorriso só
E.E. Cummings, 100 Selected Poems, Nova Iorque, Grove Press, p. 65
s.
may my heart always be open to little birds who are the secrets of living whatever they sing is better than to know and if men should not hear them men are old
may my mind stroll about hungry and fearless and thirsty and supple and even if it's sunday may i be wrong for whenever men are right they are not young
and may myself do nothing usefully and love yourself so more than truly there's never been quite such a fool who could fail pulling all the sky over him with one smile
Quem quer que sejas tomando-me agora pela mão Sem uma coisa tudo será inútil, Dou-te um bom aviso antes que me tentes mais, Eu não sou o que supões, mas muito diferente.
Quem é ele que se quer tornar meu seguidor? Quem se propõe a si mesmo como candidato às minhas afeições?
O caminho é suspeito, o resultado incerto, talvez destrutivo, Terias de desistir de tudo o resto, eu apenas esperaria ser o teu único e exclusivo guia, O teu noviciado seria, ainda assim, longo e desgastante,
Toda a teoria passada da tua vida e toda a conformidade com as vidas à tua volta teriam de ser abandonadas,
Por isso liberta-me agora antes que te incomodes mais, deixa ir as tuas mãos dos meu ombros, Põe-me no chão e segue o teu caminho.
Ou então, furtivamente, em alguma floresta, à experiência, Ou atrás de uma rocha, ao ar livre, (Pois em qualquer quarto de uma casa eu não surjo, nem em companhia, E nas bibliotecas eu quedo-me como um estúpido, aparvalhado, alguém por nascer, ou morto) Mas talvez possivelmente contigo numa colina alta, primeiro olhando, não vá alguém pelos quilómetros em volta aproximar-se despercebido,
Ou possivelmente contigo navegando no mar, ou numa praia do mar ou numa plácida ilha, Aí pores os teus lábios nos meus eu permito-te. Com o beijo há muito habitado do companheiro ou o beijo do marido recente, Pois eu sou o marido recente e eu sou o companheiro. Ou se quiseres, empurrando-me para baixo das tuas roupas, Onde possa sentir as palpitações do teu coração ou descansar na tua anca, Leva-me contigo quando avançares pela terra ou pelo mar; Pois assim apenas tocar-te é suficiente, é o melhor, E assim te tocando dormiria eu silenciosamente e eternamente seria levado.
Mas estas folhas, enganando-te, enganam com perigo, Pois estas folhas e eu tu não compreenderás, Ao princípio irão iludir-te e ainda mais depois, eu certamente iludir-te-ei, Mesmo quando pensasses que inquestionavelmente me terias apanhado, contempla! Já percebes que te escapei.
Pois não foi pelo que nele coloquei que escrevi este livro, Nem por lê-lo o poderás ter, Nem me conhecem melhor aqueles que me admiram e que lisonjeiramente me louvam, Nem os candidatos ao meu amor (a não ser no máximo muito poucos) sairão vitoriosos, Nem farão os meus poemas apenas bem, farão igualmente tanto mal, talvez mais, Pois tudo é inútil sem aquilo que muitas vezes poderás pressentir mas não atingir, aquilo que tenho sugerido; Por isso liberta-me e segue o teu caminho.
Walt Whitman, Whoever You Are Holding Me Now In Hand in Leaves of Grass, Barnes&Noble Classics, 1993, pág. 97.
d.
Whoever You Are Holding Me Now in Hand
WHOEVER you are holding me now in hand, Without one thing all will be useless, I give you fair warning before you attempt me further, I am not what you supposed, but far different.
Who is he that would become my follower? Who would sign himself a candidate for my affections?
The way is suspicious, the result uncertain, perhaps destructive, You would have to give up all else, I alone would expect to be your sole and exclusive standard, Your novitiate would even then be long and exhausting, The whole past theory of your life and all conformity to the lives around you would have to be abandon'd, Therefore release me now before troubling yourself any further, let go your hand from my shoulders, Put me down and depart on your way.
Or else by stealth in some wood for trial, Or back of a rock in the open air, (For in any roof'd room of a house I emerge not, nor in company, And in libraries I lie as one dumb, a gawk, or unborn, or dead,) But just possibly with you on a high hill, first watching lest any person for miles around approach unawares, Or possibly with you sailing at sea, or on the beach of the sea or some quiet island, Here to put your lips upon mine I permit you, With the comrade's long-dwelling kiss or the new husband's kiss, For I am the new husband and I am the comrade.
Or if you will, thrusting me beneath your clothing, Where I may feel the throbs of your heart or rest upon your hip, Carry me when you go forth over land or sea; For thus merely touching you is enough, is best, And thus touching you would I silently sleep and be carried eternally.
But these leaves conning you con at peril, For these leaves and me you will not understand, They will elude you at first and still more afterward, I will certainly elude you. Even while you should think you had unquestionably caught me, behold! Already you see I have escaped from you.
For it is not for what I have put into it that I have written this book, Nor is it by reading it you will acquire it, Nor do those know me best who admire me and vauntingly praise me, Nor will the candidates for my love (unless at most a very few) prove victorious, Nor will my poems do good only, they will do just as much evil, perhaps more, For all is useless without that which you may guess at many times and not hit, that which I hinted at; Therefore release me and depart on your way. original
- Ouça lá, Cranly, disse ele. Perguntou-me aquilo que eu faria e aquilo que eu não faria. Eu vou dizer-lhe aquilo que farei e aquilo que não farei. Não servirei aquilo em que já não acredito, quer isso se chame o meu lar, a minha pátria, ou a minha igreja: e tentarei exprimir-me num qualquer modo de vida ou de arte tão livre e tão completo quanto puder, usando para minha defesa as únicas armas que me permito usar – silêncio, exílio, e astúcia. […] - Sim, meu filho, disse Cranly, ainda com alegria. - Você fez-me confessar os medos que tenho. Mas vou agora dizer-lhe também aquilo de que não tenho medo. Não tenho medo de estar sozinho ou ser deixado por outrem ou de deixar seja ou que for que tenho que deixar. E não tenho medo de cometer um erro, mesmo que seja grande, mesmo que seja para a vida inteira, e talvez mesmo para a eternidade.
James Joyce, A Portrait of the Artist as a Young Man, London, Penguin Popular Classics, 1996, p. 281.
r.
-Look here, Cranly, he said. You have asked me what I would do and what I would not do. I will tell you what I will do and what I will not do. I will not serve that in which I no longer believe, whether it call itself my home, my fatherland, or my church: and I will try to express myself in some mode of life or art as freely as I can and as wholly as I can, using my defence the only arms I allow myself to use - silence, exile, and cunning. […] - Yes, my child, Cranly said, still gaily. - You have made me confess the fears that I have. But I will tell you also what I do not fear. I do not fear to be alone or to be spurned for another or to leave whatever I have to leave. And I am not afraid to make a mistake, even a great mistake, a lifelong mistake, and perhaps as long as eternity too. original